O STF (Supremo Tribunal Federal) decide sobre o futuro do ensino
domiciliar (“homeschooling”) nesta quinta-feira (30). De acordo com a
Aned (Associação Nacional de Educação Domiciliar), o número de famílias
que educam os filhos em casa chegou a 7,5 mil em 2018 e a estimativa é
de que, atualmente, cerca de 15 mil crianças recebam a educação
domiciliar. Em 2016, a associação identificava 3,2 mil, menos da metade
de famílias adeptas.
O método de ensino, porém, ainda não é regulamentado no Brasil. Por
isso, o julgamento desta quinta evidencia a batalha dos pais que querem
educar os filhos em casa contra a Justiça, que obriga a matrícula em
colégios e vai decidir o futuro de milhares de brasileiros.
O CNE (Conselho Nacional da Educação) já se manifestou de maneira
contrária ao modelo de ensino em que as crianças não vão para as escolas
e são educadas em casa. Há oito anos, emitiu um parecer em que orienta
crianças e adolescentes estarem matriculadas em escolas autorizadas.
Ainda de acordo com a manifestação, a importância de frequentar escolas
tem a ver com a sociabilidade, para que aprendam a reproduzir “a
sociedade, onde a cidadania será exercida.” No entanto, ao R7, a assessoria de imprensa do Ministério da Educação declarou que só vai se manifestar sobre o tema após a votação.
A AGU (Advocacia-Geral da União) também já se mostrou contrária à
prática da educação domiciliar. Segundo o entendimento, núcleos
familiares são incapazes de propiciar diversidade cultural e, com isso,
diz que a escola é “indispensável” para exercer a cidadania.
Débora, de 7 anos, faz aula de viola
Arquivo Pessoal
O que diz quem defende a educação escolar?
O casal Adriana Bahiense Scabsetti Bächtold e Carlos Alberto Bächtold
optou por educar os filhos Daniel B.S. Bächtold, de 11 anos, e Débora
B.S. Bächtold, de sete anos, em casa. Os dois professores reforçam a
ideia de que são favoráveis à escola.
Defasagem entre idade e série é 4 vezes maior em escolas públicas
“Entendemos que a educação domiciliar não é para todos. A educação, por
sua vez, é um direito de todos”, diz Carlos. “Falo isso porque sou
professor e estou na ativa. É impossível atender a especificidade de
cada criança. Hoje, infelizmente, as crianças são empurradas para as
séries posteriores, sem o devido conhecimento básico para ingressar
nessas séries”, completa.
Os dois frisam que os filhos têm uma rotina de aprendizagem “Eles fazem
as disciplinas em dias organizados. Nossa rotina de estudo é diária,
não tem um horário específico para aprender. Entendemos que a criança
aprende a todo instante”, diz Adriana. “O Carlos fica responsável por
ensinar português e história, eu fico com as outras disciplinas. Temos
nosso currículo individualizado, não deixamos nenhum assunto de fora”,
completa.
Metade dos docentes no país não recomenda a própria profissão
Ricardo Dias, presidente da Aned, diz que o movimento de pais
homeschoolers luta para que consigam dar uma educação de qualidade aos
filhos. “É necessário entender que não pedimos o fim da escola. Apenas
entendemos que a escola não pode ser absoluta, pois é um grande
paradigma”, avalia. “Se parar para pensar, governos diferentes, até
antagônicos, têm o mesmo slogan: ‘lugar de criança é na escola’. Mas por
que tenho que tomar isso como verdade absoluta?. Quem tem a prioridade
de escolher é a família, não o Estado”, completa.
Daniel, de 11 anos, tem um canal de YouTube
Arquivo Pessoal
Ainda de acordo com Dias, os defensores de tal método não querem que
sejam criados “guetos ou sociedades alternativas”, porque, segundo ele,
os filhos não são “criados em bolhas, pois vão para teatro, cinema,
futebol, natação.”
Sociabilidade
Um dos pontos mais discutidos sobre a possibilidade de educar os filhos
em casa ou não é a sociabilidade. O presidente da Aned ressalta que as
crianças socializam, sim, quando estudam em casa. “Essa é uma discussão
desleal conosco. Sempre que vou discutir, até com educadores formados,
compararam a escola ideal. A escola não é assim. Eles falam que a escola
é um espaço para o aprendizado lúdico, que tem exercício da tolerância,
que convive com o diferente”, argumenta. “A escola não é isso hoje em
dia. Muitos pais tiram os filhos da escola justamente pela socialização.
Há de se fazer um paralelo com a escola real, em que alunos da mesma
faixa etária convivem com alunos da mesma classe social.”
Outro ponto defendido por Carlos e Adriana é que seus filhos convivem
com outras crianças, em diversas atividades, muito mais que fariam se
estivessem em um ambiente escolar. “Eles fazem aula de viola, a menina
faz ballet e ele, futebol. Eles vão a laboratórios com outras
homeschoolers. A escola também faz socialização, mas não é o único
lugar. Eles também fazem aula extra com crianças que estão no ensino
formal. Por fim, eles socializam com pessoas de todas as idades.”
As crianças interagindo em uma aula ao ar livre
Arquivo Pessoal
Motivos para optar pelo homeschooling
Adriana e Carlos chegaram a colocar os filhos em uma escola regular,
mas decidiram por educá-los em casa após perceberem o ensino
individualizado era o modelo ideal. “Sou pedagogo e trabalho há alguns
anos com educação. Optamos por tirá-los da escola por percebermos que
cada criança tem uma necessidade. Observamos que eles estavam com uma
educação muito aquém”, diz Carlos. “Sabemos que cada criança tem seu
jeito de aprender. Por isso, ensinamos de acordo com a capacidade de
cada um.”
O presidente da Aned diz ainda que muitos pais optam pela educação
domiciliar por diversos problemas. “32% das famílias pesquisadas nos
disseram que o principal motivo é dar uma educação personalizada, que
explore potencial, habilidades, talentos que essas crianças têm. Depois
disso, vem: ambiente, doutrinação, princípios de fé, entre outros”
Medo do futuro?
O casal de professores diz acreditar que seus filhos estarão preparados
para o mercado de trabalho no futuro. “Atualmente, as crianças são
massacradas em um sistema educacional que sabemos que é falido. Eles são
a nossa prioridade e nossa responsabilidade. Sabemos que os resultados
de homeschoolers no Enem, por exemplo, são melhores do que da maioria
dos estudantes. Se eles quiserem frequentar uma faculdade, estarão 100%
capacitados para isso.”
Dias, por sua vez, cita sua experiência em casa como exemplo. “Minha
filha prestou vestibular, passou bem colocada e entrou para a
universidade”, conclui.
Os pais defendem a educação domiciliar
Arquivo Pessoal
A ação
O caso que vai ser julgado em plenário nesta quinta e que tem
repercussão geral, serve de parâmetro para todas as ações que estão na
Justiça. Em 2011, o casal Moisés Dias e Neridiana Dias tirou a filha de
11 anos de uma escola pública do município de Canelas (RS).
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Os pais alegaram que a metodologia de ensino da escola não estava
adequada para a filha. Porém, a família recebeu uma resposta da
Secretaria de Educação de Canela ordenando a “imediata matrícula” da
menina em uma escola.
O casal recorreu à Justiça e o caso seguiu até chegar ao STF. A ação é relatada pelo ministro Luís Roberto Barroso.