Escolhido para relatar na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara a segunda denúncia contra o presidente Michel Temer (PMDB),
Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), 87 anos, se considera independente o suficiente para a missão, mesmo tendo votado contra a admissibilidade do primeiro pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República), em agosto. “Desde a primeira denúncia fiz um exame exclusivamente técnico, não fiz nenhum elogio ao presidente da República nem a ninguém.”
Andrada voltou a criticar a delação premiada dos executivos da J&F, que baseia parte da nova denúncia. “Achei que o homem da JBS (Joesley Batista) deveria ser processado”, reforçou.
Em agosto, a Câmara enterrou o pedido de investigação contra Temer por corrupção passiva. Agora, o tucano vai se debruçar sobre um pedido que inclui os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria Geral da Presidência). Temer é acusado de obstrução de justiça e organização criminosa.
O deputado mineiro – que está em seu décimo mandato na Câmara – desconversou sobre o conflito interno no partido causado por sua indicação e disse que não vê a possibilidade de ser destituído da CCJ. O líder Ricardo Tripoli (SP) fez apelos ao presidente da CCJ, Rodrigo Pacheco (PMDB-MG), para que ninguém da bancada fosse indicado, mas foi ignorado. Tripoli queria evitar que a legenda sofresse mais um desgaste, já que na primeira denúncia o parecer que barrou o prosseguimento do processo veio também de um tucano, o deputado Paulo Abi-Ackel (MG).
Bonifácio ressaltou que não é seu papel convencer a ala jovem do PSDB, os chamados “cabeças-pretas”, a votar contra ou a favor do governo. “Estou pronto para servir exclusivamente a solução de um problema sério porque é uma questão de interesse nacional”, afirmou.
A aliados, Bonifácio reclamou do bombardeio da ala tucana que prega a saída do partido da base governista e critica sua escolha como relator por ele ter votado com o governo na primeira denúncia. Segundo fontes, o mineiro atribui o foco da tensão ao PSDB paulista, do líder Tripoli.
A seguir trechos da entrevista concedida por telefone.
O senhor votou para arquivar a primeira denúncia contra o presidente Michel Temer. O sr. se considera isento agora?
Me considero isento porque sou professor de Direito e, conhecendo a questão, vou examinar o processo. Não tenho dados ainda sobre o processo. Depois de estudá-lo, vou me orientar de acordo com a minha consciência e meus conhecimentos jurídicos.
Em algum momento o sr. se comprometeu com o líder do PSDB ou dentro da bancada para recusar a relatoria?
Não, de forma alguma. O que está acontecendo é o que ocorre em toda comissão. O presidente da comissão tem plenos direitos para designar relator para qualquer matéria, faz parte do regimento interno. O presidente da CCJ, por razões que ele já deu publicamente, resolveu indicar meu nome para ser o relator. Ele indica quem achar conveniente.
Por que o sr. aceitou a relatoria?
Porque o presidente da comissão me fez um apelo muito grande para aceitar, dizendo que era uma situação difícil que o País está atravessando, e eu sou um deputado experiente, professor universitário de Direito Constitucional. Ele achava que eu teria condições de dar uma contribuição valiosa para a comissão. Aceitei.
Como o sr. pretende conduzir essa relatoria?
É um processo de 200 páginas para dar um parecer em cinco ou seis dias. Tem de ter uma assessoria, um grupo de trabalho. Vou estudar de uma maneira geral o processo e em seguida fixarei diretrizes. Em torno dessas diretrizes colocarei meus assessores trabalhando para então formular o relatório.
O vice-líder do governo, Beto Mansur (PRB-SP), disse que o sr. poderia contribuir para convencer os cabeças-pretas do PSDB a votar contra a admissibilidade da nova denúncia. O sr. tem essa influência sobre esses deputados?
O vice-líder é uma figura ilustre na Câmara, mas ele é paulista e está nessa conjuntura paulista (anti-governo Temer). Ele é muito favorável ao meu nome, mas logicamente que esse grupo que é contra o governo entra em conflito com ele. Eu não tenho de convencer, tenho de exercer as exigências regimentais. Quem quiser votar de acordo com meu ponto de vista vota, quem não quiser não vota. Eu não tenho de procurar ninguém. Cada partido tem suas tendências, seus conflitos internos. Eu não tenho condições de procurar deputado para convencer.
O Tripoli não foi a favor de sua indicação, conversou com o Pacheco para não indicar ninguém da bancada e isso provocou uma crise interna na partido. O PSDB não queria essa segunda exposição. Como o sr. vê essa situação?
O problema é entre o Tripoli e o presidente da comissão, essa questão é entre eles, não é comigo. Estou fora disso, a conversa é entre eles.
Tripoli pode destituir o senhor da suplência.
Não vejo essa possibilidade. Vou esperar os acontecimentos. Há várias hipóteses que podem ocorrer ali, não é só essa não. Estou pronto para servir exclusivamente a solução de um problema sério porque é uma questão de interesse nacional. Se por alguma razão qualquer eu achar que não devo participar, eu não participo. Se houver alguma conversação no sentido de outra solução, eu também aguardo. A minha posição é de quem se dispõe a contribuir como membro da CCJ. Essas conversações todas não estão vinculadas a mim, só aos dois (Pacheco e Tripoli).
O senhor ficaria desgostoso se levassem sua destituição adiante?
Tenho 50 anos de vida pública, estou acostumado com muita coisa. Não tenho nem de ficar chateado nem contente. Tenho de contribuir, olhar para o dia seguinte, contribuir para o meu País, para o grupo partidário que eu estou ligado. Isso faz parte. Esses conflitos fazem parte da vida pública.
Se o sr. tivesse de votar de novo a primeira denúncia, faria as mesmas defesas que fez contra a primeira peça da PGR?
Não tenho dúvida. Não havia ali nenhuma prova de que a mala chegou ao presidente da República. Desde a primeira denúncia eu fiz um exame exclusivamente técnico, não fiz nenhum elogio ao presidente da República nem a ninguém. Eu mostrei que uma delação não é base para nenhuma solução jurídica. A delação ajuda numa solução. As minhas palavras foram essas, da minha consciência. A JBS fez uma delação e, aliás, achei esquisito porque eu achei que o homem da JBS (Joesley Batista) deveria ser processado. Um homem que ilude a presidência da República, entra no Palácio para falar com o presidente com o objetivo de pegar, de uma maneira inteiramente ilegal, afirmações do presidente da República, esse homem não merece uma situação tranquila, merece ser processado. Minha posição foi puramente técnica.
A oposição promete confrontá-lo na CCJ. O senhor está preparado?
Há 50 anos eu pertenço a CCJ. O fundamental ali é estudar o processo.
O senhor pretende concorrer de novo à Câmara?
Não pretendo, em princípio, me candidatar a deputado federal, mas o grupo da minha região está levantando meu nome para candidato a senador. Eu não decidi nada. Estou à disposição das forças políticas que me apoiam.