Mais uma vez a tentativa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
obter sua liberdade saiu das mãos da Segunda Turma do Supremo Tribunal
Federal (STF) para o plenário da Corte, por decisão do relator do seu
processo, ministro Edson Fachin.
A notícia não é positiva para o petista já que a Segunda Turma –
composta por Ricardo Lewandowski, Edson Fachin, Dias Toffoli, Gilmar
Mendes e Celso de Mello – hoje tem viés mais “garantista”, ou seja,
tende a dar mais peso em suas decisões aos direitos do acusado no
processo. Já o plenário, formado pelos onze ministros, tem se mostrado
bastante dividido quando discute direitos fundamentais dos réus.
Na terça-feira, por exemplo, a maioria da Segunda Turma concedeu liberdade ao ex-ministro José Dirceu,
condenado em segunda instância por corrupção, lavagem de dinheiro e
organização criminosa. Toffoli, Gilmar e Lewandowski entenderam que há
chances reais de sua pena de prisão vir a ser modificada em instâncias
superiores, o que, se confirmado, significaria que sua detenção hoje não
seria correta. Fachin ficou, como tem ocorrido com frequência, vencido,
enquanto Mello estava ausente nessa sessão.
Na mesma sessão, os três ministros também decidiram arquivar uma ação
penal contra o ex-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo,
deputado Fernando Capez (PSDB), acusado por envolvimento na Máfia da
Merenda. Eles entenderam que o processo foi iniciado sem provas ou
depoimentos de testemunhas que validassem as acusações.
Já na semana passada, a maioria também decidiu pela total absolvição da senadora e presidente do PT, Gleisi Hoffmann.
Na ocasião, os cinco ministros votaram por não condená-la por corrupção
passiva e lavagem de dinheiro, ao considerarem que não havia provas
materiais que corroborassem as acusações de delatores. Fachin e Mello,
porém, consideraram que havia crime de caixa 2 eleitoral, mas acabaram
derrotados nesse ponto.
As turmas do STF passaram a julgar a maior parte das ações penais
contra autoridades com foro privilegiado a partir de junho de 2014. A
mudança visou desafogar o plenário do Supremo, que passou a ser
responsável apenas por casos envolvendo o presidente e o vice-presidente
da República, os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, os
ministros da Corte e o procurador-geral da República, quando acusados de
crimes comuns.
Turmas do STF passaram a julgar a maior
parte das ações penais contra autoridades com foro privilegiado de forma
a desafogar o plenário do Supremo
Rosinei Coutinho/SCO/STF
Por essas regras, Lula deveria ser julgado na Segunda Turma,
responsável pela maioria dos processos da Operação Lava Jato no STF. No
entanto, o relator do processo pode optar por submeter recursos ao
plenário quando entender que estão em jogo questões de repercussão
geral, ou seja, com potencial de estabelecer regras para outros
processos.
De acordo com Gustavo Badaró, professor de direito processual penal da
Universidade de São Paulo (USP), há argumentos técnicos tanto para
Fachin manter o julgamento na Segunda Turma quanto para remetê-lo ao
plenário. Na sua leitura, isso acaba dando uma alta dose de
arbitrariedade à decisão do relator e abre espaço para questionamentos
de que ele tentou evitar uma derrota no caso de Lula.
“É importante que o Supremo delimite melhor o que deve ser julgado pelo plenário e pelas turmas”, defende Badaró.
A posição frequente de “derrotado” na Segunda Turma, porém, pode
terminar em breve para Fachin. Em setembro, Toffoli assume a presidência
do STF no lugar de Cármen Lúcia, e ela volta para a turma em seu lugar.
O histórico da ministra é de decisões duras nos processos criminais
Saiba quem é quem na atual turma dos “garantistas”.
Ricardo Lewandowski, presidente
Ricardo Lewandowski assumiu a presidência da Segunda Turma em junho
Rosinei Coutinho/SCO/STF
Seguindo a rotatividade normal da função de presidente, Ricardo
Lewandowski assumiu o comando da Segunda Turma no início de junho. Ele
chegou ao Supremo em 2006 indicado por Lula. Quando foi escolhido, era
desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor de Direito
Público na USP.
No julgamento do mensalão, que analisou o escândalo de compra de apoio
parlamentar no governo Lula e condenou 24 pessoas, ele foi o ministro
revisor (aquele que, assim como o relator, deve se debruçar sobre o
processo com mais profundidade).
Lewandowski, em geral, propôs menos condenações que o relator do
Mensalão, Joaquim Barbosa — sua posição prevaleceu em mais casos,
conforme mostra levantamento do portal de notícias jurídicas Conjur. Ele
liderou, por exemplo, o entendimento da maioria da Corte que absolveu
os petistas José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino, além de outros
cinco réus da acusação de formação de quadrilha.
Já em 2016, Lewandowski, então presidente do STF, comandou o processo
de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff no Senado, o que o tornou
alvo de críticas da esquerda.
Em julgamentos recentes em que o Supremo se debruçou sobre direitos
fundamentais dos réus, ele se posicionou pela “presunção da inocência”:
votou contra a possibilidade de prisão antes do trânsito em julgado
(esgotamento de todos os recursos) e pela proibição da condução
coercitiva (mecanismo que obriga o investigado a comparecer a
depoimento).
Edson Fachin, o relator
Edson Fachin foi indicado por Dilma em 2015 e relata a Lava Jato
Rosinei Coutinho/SCO/STF
Edson Fachin entrou na segunda turma em fevereiro de 2017, após a morte do ministro Teori Zavascki,
quando herdou dele a relatoria da maioria dos casos da Lava Jato.
Especialista em direito civil e de família, atuou como advogado e
professor titular da Faculdade de Direito da UFPR (Universidade Federal
do Paraná) antes de chegar a mais alta Corte do país.
Ao ser indicado pela ex-presidente Dilma Rousseff em 2015, recebeu
vários ataques por ser visto como um jurista progressista, próximo ao PT
e a movimentos sociais como o MST. Sua conduta no Supremo, porém, se
mostrou mais conservadora do que o esperado, principalmente em ações
criminais.
No plenário, tem proferido votos duros, em geral acompanhado dos
ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Alexandre de Morais (membros
da Primeira Turma) e da presidente Cármen Lúcia. Eles decidiram, por
exemplo, a favor da prisão após condenação em segunda instância e pela
legalidade da condução coercitiva.
Gilmar Mendes
Nelson Jr./SCO/STF
Único ministro nomeado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que
permanece no STF, Gilmar Mendes foi indicado em 2002. Ele tem mestrado e
doutorado na Alemanha e uma carreira que inclui períodos como
procurador da República, nos anos 1980, e advogado-geral da União no
governo FHC, de 2000 a 2002.
No Supremo, tem se notabilizado pelas decisões para soltar réus. Ele é
crítico do que considera uso frequente e alongado de prisões preventivas
(sem condenação) pela operação Lava Jato. Entre maio e junho, por
exemplo, ele pôs em liberdade 19 pessoas presas pelo juiz do Rio de
Janeiro Marcelo Bretas, num intervalo de 20 dias.
Seu perfil garantista, porém, não atinge apenas os poderosos. Quando
Mendes presidiu o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) entre 2008 e 2010,
seu mandato ficou marcado pelo mutirões para detectar prisões indevidas e
soltar detentos comuns em presídios de todo país.
Além disso, Mendes também é conhecido por suas fortes críticas ao PT
que, para alguns críticos, chega a influir nas suas decisões contra
membros do partido. Foi ele que, monocraticamente, impediu a posse de
Lula como ministro da Casa Civil de Dilma em 2016.
Também naquele ano, auge da Lava Jato, quando o PT era alvo principal
da operação, Mendes contrariou a posição que adotou em 2009, contra o
cumprimento antecipado da pena, e autorizou a prisão após condenação em
segunda instância. Depois, ao final de 2017, quando a Lava Jato já
atingia uma gama maior de partidos, mudou de posição de novo,
convergindo para a proposta de Toffoli de que a pena só possa ser
cumprida após análise do Superior Tribunal de Justiça (terceira
instância).
Com sua mudança, essa é a posição que deve prevalecer quando o
julgamento dessa questão for retomado pela Corte. Mendes também votou
contra a condução coercitiva.
Dias Toffoli
Toffoli, mesmo tendo sido indicado por Lula, já tomou decisões contra petistas
Rosinei Coutinho/SCO/STF
Assim como Mendes integrou o governo de FHC, Toffoli foi advogado-geral
da União no governo Lula, que o nomeou para o Supremo em 2009. Antes,
foi assessor parlamentar do PT, subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa
Civil, na equipe do ex-ministro José Dirceu, e advogado de Lula em três
campanhas presidenciais — 1998, 2002 e 2006.
Apesar disso, Toffoli já tomou decisões contra petistas, inclusive no
julgamento do Mensalão. Quando estava no Tribunal Superior Eleitoral,
antes do impeachment, votou pela abertura da ação de impugnação que
poderia cassar o mandato de Dilma e do então vice-presidente, Michel
Temer. No Supremo, ele se aproximou de Gilmar Mendes e ambos, com
frequência, votam de forma semelhante.
Questionado em 2014 sobre sua ligação com o PT, respondeu em entrevista
à rádio CBN: “Desde minha indicação para o Supremo Tribunal Federal e
minha aprovação (para a Corte) no Senado eu virei a página. Eu hoje sou
juiz, desde 2009 eu sou juiz, e meu compromisso é com a Constituição”.
Nos julgamento recentes do plenário, se posicionou pela proibição da
condução coercitiva e contra a prisão após condenação em segunda
instância.
Celso de Mello, o decano
Celso de Mello está no STF desde 1989
Nelson Jr./SCO/STF
Celso de Mello é o ministro mais antigo no STF, onde ingressou em 1989,
por nomeação do presidente José Sarney. Antes, era membro do Ministério
Público do Estado de São Paulo, para o qual foi selecionado em 1970,
após passar em primeiro lugar no concurso público. Como ministro, é
conhecido por seus votos longos, com densa fundamentação jurídica.
Nos julgamentos de temas constitucionais no plenário do Supremo, tem
mantido postura garantista, tendo votado contra a condução coercitiva e o
cumprimento antecipado da pena. Nas ações penais analisadas pela
Segunda Turma, porém, já acompanhou o voto de Fachin em diversas