Janot dá ‘superpoder’ a MP e resolução é questionada

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Uma resolução publicada na reta final da gestão de Rodrigo Janot à frente do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) permite a promotores e procuradores realizar vistorias, inspeções e diligências, e requisitar informações e documentos de autoridades públicas e privadas sem autorização judicial.
 As normas são contestadas por entidades de representação de magistrados, advogados e policiais federais por conceder “superpoderes” ao MP na investigação criminal.
A AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) ajuizaram recentemente ações no STF (Supremo Tribunal Federal), nas quais questionam a constitucionalidade da Resolução 181. A ADPF (Associação dos Delegados da Polícia Federal) vai ingressar com pedido de amicus curiae — como parte interessada nos processos. As queixas já estão sob análise da procuradora-geral Raquel Dodge, tanto na PGR como no conselho.
Editadas no dia 7 de agosto — Janot deixou o comando da PGR e do CNMP em 17 de setembro — para regular o PIC (Procedimento Investigatório Criminal), as regras reacendem críticas à forma como o MP conduz seus trabalhos e lançam mais polêmicas sobre como o órgão foi liderado pelo ex-procurador-geral, que se viu envolto em uma série de controvérsias à frente da Operação Lava Jato e na delação premiada do Grupo J&F. Procurado, Janot não respondeu à reportagem.
Um dos superpoderes, segundo a AMB, está previsto no artigo 7º da resolução. De acordo com o parágrafo 1º do dispositivo, “nenhuma autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de função pública poderá opor ao Ministério Público”. “O CNMP inseriu uma norma inusitada, para dizer o mínimo”, afirma a entidade, “cuja redação rebuscada e criativa contém comando que permitiria ao MP promover a quebra de qualquer sigilo dos investigados, sem ordem judicial”, escrevem Alberto Pavie Ribeiro, Emiliano Alves Aguiar e Pedro Gordilho, advogados da AMB.
A resolução, já em seu artigo 1º, prevê também que o procedimento de investigação é “instaurado e presidido pelo membro do Ministério Público com atribuição criminal” e servirá “como preparação e embasamento para o juízo de propositura, ou não, da respectiva ação penal”. Segundo o advogado criminalista Luís Henrique Machado, a norma “estabelece um sistema de ‘submissão’ investigativa por parte da polícia em relação ao Ministério Público”. Para o criminalista, “a resolução do CNMP transforma a instituição em um ‘Superpoder’ que, hoje em dia, no Brasil, investiga, processa e julga”.
O conjunto de normas, de acordo com o presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas, Elias Mattar, extrapola prerrogativas de Poderes e da polícia. “Só existem três Poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. O MP não é um Poder”, disse “A resolução trata de regulamentação de inquérito policial e processo penal, matérias que são de competência constitucional do Congresso Nacional”, argumenta Mattar, para quem o conjunto de regras é “uma excrescência”.
A expansão das atribuições do CNMP é questionada também pelos delegados federais. “Não pode um conselho, que tem por missão constitucional fiscalizar o cumprimento da lei por parte dos membros do Ministério Público, os promotores e os procuradores, aumentar os seus poderes ao arrepio da legislação. Isso é totalmente contrário àquilo que a Constituição previu para o Conselho Nacional do Ministério Público”, afirma Carlos Eduardo Sobral, presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal. “Toda concentração de poder, historicamente, gera abusos, proporciona arbítrio.”
A resolução influencia principalmente a atuação do Ministério Público Federal e do Ministério Público nos Estados.
O professor de Direito Administrativo da FGV (Fundação Getulio Vargas) Carlos Ari Sundfeld afirma que o conselho não tem competência legal para baixar essas normas. “As resoluções só podem existir se tiverem caráter administrativo. Elas não podem ter caráter de lei.”
‘Não persecução’
O capítulo da resolução que trata do acordo de não persecução penal — medida para evitar o processo — também está na mira de juristas. De acordo com as normas, em caso de delitos cometidos sem violência ou grave ameaça (incluindo o crime de corrupção), o MP poderá propor ao investigado o acordo e, em caso de seu cumprimento integral, a investigação será arquivada. As cláusulas negociadas, porém, não serão levadas à Justiça para análise, seja pela rejeição, seja pela aceitação.
Na opinião do ex-presidente da OAB Luiz Flávio Borges D’Urso, essa regra “avança ainda mais no campo da ilegalidade”. “O Ministério Público cria a figura, sem amparo legal, do acordo de não persecução penal, conferindo poder inexistente ao Ministério Público, para decidir se ofertará ou não a denúncia, em caso de acordo de delação”, afirmou o advogado.
Professora de Direito Penal da USP (Universidade de São Paulo) e uma das autoras do pedido de impeachment de Dilma Rousseff, Janaina Paschoal disse que o CNMP, com o acordo de não persecução penal, cria o plea bargain: “Não há previsão legal no Brasil, é um instituto do common law”. De acordo com ela, “isso vai muito além da delação premiada, que requer a homologação judicial. O MP está se autoconcedendo um poder que a Constituição não deu, que a legislação não dá. O Poder Judiciário é uma garantia de todos nós.”
As ações da AMB (5790), e da OAB (5793), estão sob a relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo, e ainda não há data para julgamento.
O que diz a norma
Art. 7º Sem prejuízo de outras providências inerentes a sua atribuição funcional e legalmente previstas, o membro do Ministério Público, na condução das investigações, poderá:
I — fazer ou determinar vistorias, inspeções e quaisquer outras diligências, inclusive em organizações militares;
II — requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades, órgãos e entidades da administração pública direta e indireta, da União, dos Estados, dos Distrito Federal e dos Municípios;
III — requisitar informações e documentos de entidades privadas (…)
fonteR7


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