O turbilhão gerado pelas sucessivas tentativas de soltar o ex-presidente Lula ao
longo deste domingo causa “estragos” ao explicitar uma guerra jurídica e
ideológica que é “ruim para o Judiciário e ruim para o cidadão”, afirma
Gilson Dipp, ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Em entrevista à News Brasil, Dipp afirma que o desembargador
Rogerio Favreto, plantonista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região
(TRF-4), extrapolou sua competência ao deliberar em regime de urgência
sobre a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma matéria
“de alta indagação que está sendo discutida nas cortes superiores”.
“A decisão não está incorreta, já que ele (na competência de
desembargador plantonista) pode dar uma liminar e o juiz ter que
cumprir. Mas em um pedido desta envergadura, que não traz novidades por
tratar de um réu que está preso há bastante tempo, e sem fato novo, a
posição do desembargador foi implausível”, considera Dipp, que já foi
presidente do TRF-4.
Entenda o vai e vem sobre a soltura do ex-presidente Lula
Na noite deste domingo o presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores, tomou decisão que,
na prática, mantém o ex-presidente Lula na prisão. O despacho ocorre
após o desembargador plantonista, Rogerio Favreto, determinar três vezes
ao longo do dia a soltura de Lula. O ex-presidente e pré-candidato à
Presidência está preso em Curitiba desde abril, cumprindo sentença após
condenação em segunda instância pelo TRF-4 a 12 anos e um mês de prisão
por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, relacionado ao caso do
tríplex de Guarujá.
‘“É
temerário um plantonista de fim de semana decidir sobre uma matéria que
já vem sendo contemplada há muito tempo por tribunais superiores. Isso
contribui para um desgaste muito grande do Judiciário, das instâncias
inferiores às superiores”, afirma o jurista.
Para Dipp, o roteiro de mandos e desmandos deste domingo levou a um
momento “impensável no Judiciário”, uma sequência de decisões
incoerentes “que nunca vi em minha vida até agora”.
Lula está preso há 93 dias na Polícia Federal em Curitiba
“É o caos jurídico e a politização do Judiciário de forma exacerbada.
Não importa quem tenha razão”, considera Dipp. A seu ver, a contradição
entre decisões tomadas por ministros do STF está se refletindo nas
instâncias inferiores. “O filho imita o pai.”
Dipp afirma, no entanto, que as tentativas da defesa de um réu de
entrar com pedidos em dias de plantonistas tidos por mais “garantistas” e
voltados aos direitos do cidadão, na expectativa de que emitam decisões
mais favoráveis ao réu, “fazem parte do jogo” e são “legítimas” como
estratégia jurídica.
Em março, a condenação de Lula pelo juiz Sérgio Moro na primeira
instância foi confirmada por três desembargadores do TRF-4, e o STF
negou o pedido de habeas corpus a Lula até que o processo transitasse em
julgado e passasse por todos os recursos cabíveis antes da execução da
sentença de prisão. Na última sexta-feira, os deputados federais Wadih
Damous, Paulo Pimenta e Paulo Teixeira, do PT, apesentaram pedido de
habeas corpus no TRF-4, contemplado no domingo pelo desembargador
Rogério Favreto.
Desembargador Favreto já fez selfie com ex-presidente Lula
Apesar de ser favorável à interpretação de que a sentença só deveria
ser executada após trânsito em julgado, entretanto, Dipp frisa tratar-se
de matéria que tem sido longamente examinada, contemplada pelo STJ e
pelo STF, e considera que Favreto “desbordou” de sua competência.
Neste domingo, o desembargador Rogerio Favreto decidiu soltar Lula três vezes
“Ele (Favreto) não deveria ter entrado nesse mérito. Isso causa um
tumulto jurídico e uma guerra ideológica no direito penal. É uma
politização do Judiciário levada ao extremo”, diz, ressaltando a
importância de decisões judiciais se manterem coerentes e não
despertarem dúvidas sobre se devem ou não ser cumpridas.
Após o primeiro despacho de Favreto, o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara
Federal em Curitiba, revidou com um despacho afirmando que o
desembargador não teria competência para mandar soltar o ex-presidente,
gerando um impasse.
Embate e confusão
As primeiras notícias sobre a possível libertação de Lula surgiram por
volta de meio dia deste domingo, com base num despacho publicado horas
antes: às 9h, o desembargador plantonista José Favreto decidiu
favoravelmente a um pedido de habeas corpus formulado pelos deputados
petistas Wadih Damous (RJ), Paulo Teixeira (SP) e Paulo Pimenta (RS). Os
três apresentaram o pedido na noite da última sexta-feira.
Pouco antes das 13h, o juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal em
Curitiba publicou um despacho no qual dizia não ser papel de Favreto
decidir a respeito de Lula. Minutos depois do despacho de Moro, Favreto
voltou à carga, ordenando à Polícia Federal que soltasse lula
imediatamente. Perto das 16h, João Gebran atendeu ao pedido de Moro e
falou nos autos sobre o caso. Relator da Lava Jato na 2ª Instância,
Gebran argumentou que, como a decisão de prender Lula era da 8ª Turma do
Tribunal (formada por ele, Victor Laus e Leandro Paulsen), não cabia a
Favreto mandar soltar o ex-presidente Lula.
Então, às 16h12, Favreto lançou uma terceira decisão com o objetivo de soltar o ex-presidente Lula.
Na tarde deste domingo, o desembargador João Gebran Neto chegou a suspender HC
“Ele (o Favreto) está se expondo, porque corre o risco de a ordem não
ser cumprida, mas a essa altura só lhe resta ir até o fim mesmo”, diz
Dipp, afirmando que o não-cumprimento da ordem judicial gera uma
situação insólita, já que, em sua visão, uma ordem judicial é para ser
cumprida ou derrubada imediatamente pelos recursos cabíveis.
“Um desembargador com a mesma hierarquia não pode reformar a decisão de
um colega de plantão. Ele (Gebran Neto) teria que esperar até segunda,
quando cessa o plantão”, diz. “Mas aí o Lula poderia ser solto. O
Ministério Público, o TRF-4, a Polícia Federal querem o Lula solto?” ,
questiona.
Dipp afirma também que, no imbróglio observado nas decisões judiciárias
neste domingo. o próprio Moro extrapolou sua competência ao questionar o
desembargador. “Juiz em primeiro grau não tem que discutir competência
do tribunal. Ponto. Quem tem que dizer se o desembargador extrapolou
suas competências ou não são os órgãos superiores a ele”, afirma R7.