Ao mandar soltar o ex-governador do Paraná Beto Richa (PSDB) — alvo da
Operação Radiopatrulha por suspeita de propinas de R$ 70 milhões em
contratos de manutenção de rodovias rurais no interior do Estado —, o
ministro Gilmar Mendes anotou que a ordem de custódia contra o tucano
tem “fundo político, com reflexos no sistema democrático”.
“Destaco ainda que, no caso em análise, houve a violação não apenas da
liberdade de locomoção, mas também há indicativos de que tal prisão tem
fundo político, com reflexos sobre o próprio sistema democrático e a
regularidade das eleições que se avizinham, na medida em que o
postulante é candidato ao Senado Federal pelo Estado do Paraná”,
assinalou o ministro, na decisão tomada nesta sexta-feira (14), já à
noite.
O ex-governador foi preso em regime temporário (cinco dias) na terça
(11), por ordem do juiz Fernando Fischer, da 13ª Vara Criminal de
Curitiba, que acolheu pedido do Grupo de Atuação e Combate ao Crime
Organizado (Gaeco), braço do Ministério Público do Paraná. Nesta sexta,
Mendes transformou a custódia do tucano em preventiva, sem prazo para
terminar.
Já à noite, o ministro soltou Beto Richa, a mulher dele, Fernanda, e
mais 13 investigados da Radiopatrulha. Mendes adverte que a prisão de
Beto Richa “às vésperas da eleição, por investigação preliminar e
destituída de qualquer fundamento, impacta substancialmente o resultado
do pleito e influencia a opinião pública”.
O tucano é candidato nas eleições de outubro. Ele renunciou em abril ao
cargo de chefe do Executivo paranaense para concorrer a uma cadeira no
Senado.
“Abre-se uma porta perigosa e caminha-se por trilha tortuosa quando se
permite a prisão arbitrária de pessoas sem a observância das normas
legais e a indicação de fundamentos concretos que possibilitem o
exercício do direito ao devido processo legal, contraditório e ampla
defesa, com todos os meios e recursos disponíveis”, anotou o ministro.
O ministro acentuou que os mandados de busca e apreensão na Operação
Radiopatrulha “já foram efetivamente cumpridos, de modo que a prisão
temporária já deveria ter sido imediatamente revogada, haja vista a
impossibilidade, ainda que em tese, de o investigado destruir ou se
desfazer dos elementos de prova”.
“Na medida em que se mantém (o decreto de prisão), entendo que o que há
é uma antecipação da pena e submissão do requerente a vexame público.”
Gilmar Mendes aponta para “uma violação oblíqua”, referindo-se ao veto
que o Supremo impôs à condução coercitiva de investigados e a estratégia
que os investigadores estariam adotando, a da prisão temporária. “Com a
proibição da condução, ao invés de se optar pela tutela do direito
fundamental à liberdade (artigo 5.º, caput, da CF/88), os agentes
responsáveis pelo caso preferiram a via mais extrema e inadequada da
prisão.”
“Tal ato, ademais, revive a inconstitucional prisão para averiguações,
em clara violação aos direitos fundamentais previstos na Constituição,
especialmente à presunção de inocência. Não se pode aceitar, em um
Estado Democrático de Direito, a imposição de restrições à liberdade sem
justificação normativa e fática/probatória legítima.”
“Não é demais relembrar os efeitos da estigmatização ou do labelling
social que estão atrelados ao processo penal e, de forma mais acentuada,
aos casos de prisão. Por esse motivo, entendo que faltou prudência aos
agentes públicos envolvidos ao decretarem a prisão de um candidato em
virtude de fatos antigos e sem a devida justificação da medida.”
Ele observou que outro fundamento do decreto prisional refere-se à
possibilidade de influência dos investigados sobre as testemunhas que
serão ouvidas. “Aqui, mais uma vez, não se aponta nenhum elemento fático
concreto que corrobore essa afirmação como, por exemplo, as testemunhas
que poderiam ser constrangidas ou quais elementos probatórios
demonstrariam tal intenção de constranger ou influenciar o depoimento de
testemunhas.”
Para o ministro, o juiz de Curitiba “simplesmente se limita a alegar
que a segregação cautelar neste momento se mostra imprescindível para
garantir a isenção dos testemunhos colhidos, impedindo ou minorando a
influência dos investigados sobre as testemunhas que serão ouvidas”.
“Reforço que eventuais conveniências investigativas não podem dar azo à
prisão de qualquer pessoa, sob pena de se subverter todo o sistema de
direitos e garantias fundamentais estabelecido em nosso ordenamento
jurídico”, reitera o ministro.
Mendes fala em “superar a visão ultrapassada e autoritária do inquérito
policial manifestada pela Polícia, Ministério Público e pelo Juízo
Estadual, no caso em questão”.
“Vislumbram o inquérito e a atividade de investigação enquanto
procedimento meramente inquisitivo, no qual o investigado é considerado
como objeto da apuração, sem direito ou garantia alguma, uma vez que, a
meu sentir, essa visão viola a concepção da dignidade da pessoa humana
segundo a qual cada indivíduo constitui um fim em si mesmo, e não meio
ou objeto para realização de fins ou conveniências de outros.”
O ministro do Supremo aborda, ainda, “o fundamento segundo o qual a
prisão temporária do requerente (Beto Richa) garantirá uma maior
probabilidade de sucesso no cumprimento da medida de busca e apreensão
pleiteada, evitando que os investigados se desfaçam dos possíveis
elementos de provas que tenham posse durante a deflagração da operação
investigatória”.
Ditadura
Gilmar Mendes registra que o Supremo “já se deparou com casos
semelhantes no passado, durante a ditadura militar, no qual o Tribunal
teve um papel fundamental na proteção das liberdades dos indivíduos,
então ameaçados pelas baoinetas e tanques”.
Citou, a título de exemplo, os Habeas Corpus nº 42.108 e 41.926,
sustentados por Heráclito Fontoura, Sobral Pinto e Antônio de Brito
Alves, “nos quais se pretendia afastar o cerceamento da liberdade de
locomoção e permitir o exercício de direitos políticos em face de
ameaças praticadas pelo governo militar contra os governadores Mauro
Borges, de Goiás, e Miguel Arraes, de Pernambuco, ameaçados de
impeachment, prisão e julgamento pela Justiça Militar, por supostos atos
subversivos atentatórios à segurança nacional”.
“Nesses casos, o Supremo Tribunal Federal deferiu as ordens, no
legítimo exercício das funções precípuas de um Tribunal Constitucional,
que é garantir o exercício dos direitos fundamentais dos indivíduos.
Aqui, como naqueles casos, houve a prisão ilegal, a incomunicabilidade e
graves restrições ao exercício de direitos políticos dos ocupantes de
mandatos eletivos.”
“Se hoje já não há a ameaça dos tanques e das baionetas, há, contudo, a
grave manipulação das notícias e da opinião pública, a difusão de
mentiras pela internet, o assassinato de reputações e a radicalização de
opiniões e posturas institucionais que passam a ser consideradas
legítimas e normais. Portanto, estou absolutamente convencido sobre a
ilegalidade da prisão provisória do requerente (Richa) e da necessidade
de se restituir a sua plena liberdade.”
“Aqui, como naqueles casos, houve a prisão ilegal, a incomunicabilidade
e graves restrições ao exercício de direitos políticos dos ocupantes de
mandatos eletivos”, seguiu o ministro.
Ao mandar soltar Beto Richa, afirmou o ministro estar “absolutamente
convencido sobre a ilegalidade da prisão provisória do requerente e da
necessidade de se restituir a sua plena liberdade.”
Livre
Beto Richa deixou o regimento da Polícia Montada, em Curitiba, onde
estava preso, na madrugada deste sábado (15). Ao sair, o tucano disse
que vai retomar sua candidatura ao Senado nas eleições 2018 e que a
prisão contra ele foi uma “crueldade” fonte R7.