Após um debate acalorado, a maioria do STF (Supremo Tribunal Federal)
decidiu nesta quarta-feira manter o cancelamento de 3,368 milhões
títulos de eleitor, o que na prática impede esses eleitores de
participar do pleito de outubro.
Os
títulos foram anulados devido ao não comparecimento para realizar o
cadastramento biométrico, que se tornou obrigatório para cerca de metade
do eleitorado brasileiro neste ano. Nesse sistema, que visa aumentar a
segurança contra fraudes, o eleitor será identificado pela digital ao
comparecer no dia 7 de outubro a sua zona eleitoral, e não apenas pelo
documento com foto.
O placar no Supremo foi de 7 a 2. Votaram
pela manutenção do cancelamento os ministros Luís Roberto Barroso,
relator do caso, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luiz Fux, Cármen
Lúcia, Gilmar Mendes e o presidente Dias Toffoli. Ficaram vencidos Marco
Aurélio e Ricardo Lewandowski. Rosa Weber, por ser presidente do TSE
(Tribunal Superior Eleitoral), não votou. Celso de Mello se declarou
impedido por razões de foro íntimo.
Prevaleceu entre os ministros o entendimento de que, assim como a Constituição
estabelece que o voto é um direito fundamental, ela condiciona esse
direito ao alistamento obrigatório do eleitor no cadastro do TSE.
A
maioria também considerou que a ação proposta pelo PSB para reverter o
cancelamento foi apresentada muito em cima da eleição, cujo primeiro
turno ocorre no dia 7 de outubro, não havendo tempo hábil para alterar a
decisão, o que traria insegurança jurídica.
Os ministros também
refutaram o argumento de que o cancelamento afetará mais intensamente as
pessoas de menor renda, que teriam menos acesso a informação e mais
dificuldade de comparecer aos postos da Justiça Eleitoral para o
cadastramento. Barroso também argumentou que parte dos 3,3 milhões de
documentos cancelados pode ser de pessoas que já faleceram, mudaram de
cidade ou mesmo títulos duplicados.
Direitos e deveres do eleitor
Atendendo
pedido de esclarecimento do relator, o Tribunal Regional Eleitoral da
Bahia, estado em que houve maior número de cancelamentos (586 mil),
informou que eleitores foram convocados por avisos nas contas de luz e
água, por SMS (mensagens de celular), anúncios em rádio e TV e em
partidas de futebol.
“Todos os eleitores têm direitos e deveres. O direito ao voto e o dever de se recadastrar”, afirmou Alexandre de Moraes.
“A
maioria dos que não se recadastraram são os mais pobres. O inverso é
verdadeiro: a maioria dos que se recadastraram também são os mais pobres
porque infelizmente a maioria dos brasileiros é de pessoas com menos
condições econômicas. Então, não houve um direcionamento da Justiça
Eleitoral (para prejudicar os mais pobres)”, acrescentou o ministro.
Já
os ministros Marco Aurélio e Lewandowski se exaltaram ao defender
entendimento contrário. Na avaliação dos dois, os eleitores que não
realizaram o cadastramento biométrico já estão alistados no sistema
eleitoral e por isso não podem ser impedidos de exercer o direito
fundamental ao voto.
Número de títulos cancelados | |
---|---|
Acre | 13.564 |
Bahia | 586.333 |
Ceará | 234.487 |
Espírito Santo | 48.807 |
Goiás | 219.426 |
Maranhão | 216.576 |
Minas Gerais | 213.172 |
Mato Grosso do Sul | 61.502 |
Mato Grosso | 18.074 |
Pará | 204.914 |
Paraíba | 123.885 |
Pernambuco | 150.260 |
Piauí | 100.260 |
Paraná | 257.941 |
Rio de Janeiro | 71.598 |
Rio Grande do Norte | 92.663 |
Rondônia | 33.611 |
Roraima | 12.614 |
Rio Grande do Sul | 167.116 |
Santa Catarina | 125.585 |
São Paulo | 375.169 |
Tocantins | 40.890 |
Brasil | 3.368.447 |
Fonte: TSE |
Eles
consideraram “uma absurda falta de isonomia” impedir os 3,3 milhões de
votar pelo método tradicional (de identificação apenas por documento com
foto) enquanto cerca de metade do eleitorado brasileiro ainda não está
obrigada a votar pela biometria. Ressaltaram, ainda, que pessoas no
interior do Amazonas e do Pará, por exemplo, têm dificuldade de acesso a
TV e internet para se informar.
Ante o argumento do TSE de
que não haveria tempo suficiente para habilitar no sistema eletrônico os
3,3 milhões de títulos cancelados, Lewandowski sugeriu que esses
eleitores votassem em cédulas de papel, assim como ocorre com os
brasileiros que estão no exterior.
Ele lembrou que em 2014,
quando Dilma Rousseff (PT) foi reeleita presidente, derrotando Aécio
Neves (PSDB) no segundo turno, a diferença entre os dois candidatos foi
de apenas 3,5 milhões votos. Na sua avaliação, se um resultado apertado
se repetir, a ausência de 3,3 milhões de eleitores pode gerar suspeição
sobre o resultado.
“Imagina se tivermos uma diferença desta
natureza numa eleição que já vem sendo questionada por determinados
setores, e não tenho pejo de dizer, antidemocráticos, como é que nós
vamos ficar, inclusive ante a opinião publica internacional? É muito
sério”, argumentou.
O cancelamento pode desequilibrar a disputa presidencial?
O
número elevado de títulos cancelados levanta questionamentos sobre se
isso poderá prejudicar mais um ou outro candidato, afetando o resultado
das eleições. Especialistas em questões eleitorais ouvidos pela BBC News
Brasil, divergem sobre o real impacto da decisão.
Há quem venha
apontando uma risco maior de o candidato presidencial do PT, Fernando
Haddad, ser prejudicado, já que o Nordeste, onde ele lidera as pesquisas
de intenção de voto com 26% segundo o último Datafolha, é a região onde
houve mais cancelamentos. O PT, inclusive, solicitou ao STF e foi
aceito a participar da ação movida pelo PSB como amicus curiae (amigo da
corte, instrumento que permite interessados na ação a se manifestar).
Os
dados do TSE mostram que 45% dos votos cancelados (1,5 milhão) são de
eleitores em sete estados nordestinos, sendo 586 mil apenas na Bahia,
estado em que Haddad aparece com 33% de preferência na pesquisa
Datafolha. Jair Bolsonaro (PSL), que em todo o Brasil lidera as
pesquisas, tem 14% de intenção de voto entre os baianos.
No
entanto, outras localidades do país, em que Bolsonaro tem apoio
expressivo, também apresentam contingente significativo de títulos
cancelados. São Paulo, por exemplo, é o segundo estado com mais títulos
cancelados (385 mil). Lá, Bolsonaro aparece com 30% das intenções de
voto contra 13% de Haddad.
Quando se analisam as regiões, o
Datafolha aponta Bolsonaro liderando no Sul (37%), Sudeste (30%),
Centro-Oeste (36%) e Norte (32%). As quatro, somadas, têm 1,8 milhão de
títulos anulados.
Para
o cientista político Antonio Lavareda, professor da Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE), é possível que os eleitores mais pobres e
de menor escolaridade sejam a maioria dos que não realizaram o
recadastramento, por ter mais dificuldade de acesso à informação. Não é
possível checar a hipótese já que o TSE informou não possuir dados de
renda dos eleitores.
“É possível imaginar que os candidatos que seriam mais prejudicados
por essa exclusão são os dos partidos que têm mais voto na base da
sociedade. No caso da eleição presidencial, nós estamos falando do PT:
Haddad perde mais votos, e Bolsonaro perde menos”, acredita.
Lavareda
ressalta que a ausência de 3,3 milhões de eleitores tem potencial de
impacto maior no resultado eleitoral caso a disputa esteja muito
acirrada.
“A média das últimas pesquisas eleitorais aponta para
um disputa super apertada num eventual segundo turno entre Haddad e
Bolsonaro. Numa eleição assim, fica claro que milhões de votos podem
fazer diferença”, afirma.
Já a jurista Roberta Gresta, professora
de direito eleitoral da PUC Minas e consultora do Tribunal Regional
Eleitoral de Minas Gerais, minimiza esse risco. Na sua avaliação, não é
possível especular quais serão os votos dos 3,3 milhões de eleitores
com títulos cancelados e, estatisticamente, a tendência é que eles se
distribuam de forma uniforme no eleitorado.
Ela ressalta que,
parte desses títulos cancelados, pertencem a pessoas que já faleceram ou
que mudaram de cidade e costumam não comparecer para votar. Na eleição
de 2016, as cidades que já estavam com cadastramento biométrico tiveram
12% de abstenção, contra 19% da média nacional.
“Se a gente
considerar esses 3,3 milhões uma amostra de pessoas em todo o Brasil, a
gente pode dizer que a presunção é que haja uma diluição das
preferências nessa mostra tal e qual haveria em todo o eleitorado”,
afirma.
“Vamos supor que a diferença entre dois candidatos dê 3
milhões, então os 3 milhões (que tiveram título cancelado) teriam votado
no que perdeu? Não temos como inferir essa matemática”, reforça.
Do
total de 5.570 municípios do país, a identificação do votante será
biométrica em 2.793 municípios. Por outro lado, em 1.415 cidades, os
eleitores serão identificados por meio do método tradicional. Também há
1.533 cidades em que o sistema será híbrido, já que o cadastro
biométrico não é obrigatório, mas parte dos eleitores já estão no novo
sistema.