A menos de quatro meses das eleições, a ausência de uma lei
específica para proteção de dados pessoais coletados na internet pode
deixar o Brasil vulnerável a suspeitas de interferência nos resultados
do pleito, similares às denúncias que atingiram a campanha de Donald
Trump à presidência dos Estados Unidos em 2016. A avaliação é de
especialistas ouvidos pela reportagem.
O projeto que cria a
Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (PL 4060/2012) foi aprovado na
Câmara dos Deputados em 29 de maio e aguarda votação no Senado. Apesar
da possibilidade de sanção presidencial ainda este ano, existe um prazo
de 18 meses para adaptação às novas regras. “Infelizmente, a lei não
teria efeito para este ano. Porém, ela deve ser aprovada logo, devido à
sua importância”, opinou a especialista em direito digital Poliana
Banqueri.
De acordo com especialistas, a ausência de
regulação abre caminho para que empresas vendam e compartilhem
informações pessoais de internautas e favorece a prática da propaganda
dirigida e a disseminação de notícias falsas. Para a pesquisadora do
Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS) Chiara de Teffé, tais práticas
prejudicam o debate político em tempos de polarização e proliferação de
candidaturas, especialmente à Presidência da República.
“Quando
empresas enviam material político de forma direcionada, pode haver
manipulação da opinião pública e influência no debate. É um controle do
que vai chegar às pessoas – que, em determinado momento, passam a
receber apenas o que é direcionado a elas”, afirmou.
A
lógica é simples: ao concordar com os termos de uma rede social, como
Facebook ou Instagram, o usuário autoriza não apenas a coleta de
informações básicas como nome completo e número de celular, mas também
de seus rastros digitais. Pesquisas feitas, páginas curtidas, interações
e conteúdos acessados ajudam a compor bancos de dados com indicações de
gostos e preferências dos eleitores. Usado no contexto eleitoral, este
perfil indica a um candidato quem é potencialmente mais receptivo às
bandeiras e ideologias que ele representa.
Desta forma, a
propaganda paga é direcionada com precisão, independentemente da
qualidade da informação contida nela, que pode ser deturpada ou falsa.
Além disso, o eleitor acaba entrando em uma espécie de bolha. Quanto
mais ele navega, mais fornece suas preferências, que limitam o tipo de
conteúdo recebido.
Assim, a equipe de um candidato pode
identificar não apenas preferências políticas, mas até mesmo as demandas
de uma determinada região, de acordo com o comportamento dos usuários
nas redes sociais. O consultor político Gilberto Musto explicou que as
campanhas podem usar essas informações como bem entenderem. “Sem uma lei
específica, esse trabalho e a manipulação da opinião pública ficam mais
simples. Mal intencionados levam vantagem, como ocorreu nos Estados
Unidos.”
Com a redução de 90 para 45 dias de campanha e o
menor tempo disponível durante a propaganda eleitoral gratuita na
televisão, a internet surge como o melhor meio de exposição para
candidatos, especialmente os menos conhecidos, ressaltou o advogado
especialista em direito de internet Ademir Pereira. “A internet terá
mais peso na propaganda deste ano e tanto partidos quanto militantes e
empresas que trabalham com dados de usuários estão com os olhos voltados
para isso”, disse.
Legislação
A Lei
Geral de Proteção de Dados Pessoais aprovada na Câmara, relatada pelo
deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), prevê a criação de uma autoridade
nacional com atribuição de fiscalizar e punir responsáveis pelo mau uso
de informações pessoais. O órgão também seria responsável por detalhar
como seria a coleta e o tratamento das informações. A ideia é parecida
com o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR), que entrou em vigor
na União Europeia em maio. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.