O procurador Augusto Aras tem passado os últimos dias dentro do Congresso Nacional, visitando os gabinetes dos senadores que votarão a indicação do presidente Jair Bolsonaro (PSL) para que ele ocupe o cargo de procurador-geral da República.
Nesta quarta-feira (25), Aras irá mais uma vez ao Congresso, mas não será para visitar gabinetes: ele será sabatinado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. A sessão está marcada para as 9h.
Brasil mapeou três assuntos que estão no radar do Supremo Tribunal Federal (STF) e sobre os quais Augusto Aras terá de se posicionar, se for aprovado pelo Senado. Os casos vão desde a descriminalização da posse de drogas para consumo próprio, que deve voltar ao plenário do STF em novembro, até a prisão após condenação em segunda instância.
Antes de conquistar a indicação de Bolsonaro, Aras se comprometeu com uma agenda de pautas conservadoras nos costumes e desenvolvimentistas na economia – foi, por exemplo, o único procurador a assinar uma carta da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), onde são defendidos pontos como a defesa da lei da Escola sem Partido; contra o aborto; e a favor da execução da pena de prisão já depois da condenação em segunda instância.
No fim de novembro, os 11 ministros do STF também devem julgar um tema que interessa diretamente a família presidencial: o uso de informações fiscais e bancárias da Receita Federal, do antigo Coaf e do Banco Central em investigações criminais.
Em julho, o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, decidiu de forma provisória (liminar) que os dados não poderiam ser usados sem autorização do Judiciário.
A decisão atendeu a um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente da República.
Depois da sabatina, a indicação de Aras será votada na CCJ, e, finalmente, no plenário do Senado. Ele precisará dos votos de pelo menos 41 dos 81 senadores. Segundo a presidente da CCJ, a senadora Simone Tebet (MDB-MS), o nome de Aras pode ser votado no plenário já nesta quarta-feira.
Périplo
O ex-deputado Alberto Fraga (DEM-DF), responsável por apresentar Aras a Bolsonaro, diz que o périplo do procurador baiano no Senado tem sido intenso nos últimos dias.
“A vida do Aras está sendo no Senado. Ele chega lá às 8h e só sai às 22h. Está conversando com todos os senadores. Eu não tenho nem encontrado mais com ele. Ele está fazendo o dever de casa dele, que agora é lá no Senado”, disse Fraga à BBC News Brasil.
O PGR atua em nome do Ministério Público tanto no STF quanto no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), embora possa indicar representantes para atuar nas sessões.
No STF, também pode propor ações diretas de inconstitucionalidade e propor ações penais públicas e cíveis. O PGR é ainda a única autoridade do país que pode processar criminalmente o presidente da República, deputados, senadores e ministros de Estado.
Aras também poderá influir em ações no Supremo iniciadas pela ex-PGR Raquel Dodge nos últimos dias de seu mandato à frente do Ministério Público – embora não estejam na pauta no momento, Aras poderá alterar o entendimento da PGR nesses processos.
Antes de deixar o cargo, Dodge emitiu pareceres e iniciou ações que contrariam a política do governo atual. Temas como as leis da “Escola sem Partido”, a demarcação de terras indígenas e o decreto das armas de Bolsonaro foram alvo de Dodge.
Conheça abaixo os principais temas caros a Bolsonaro nos quais Augusto Aras atuará, se for confirmado como PGR.
Porte de drogas para consumo próprio
Dias Toffoli pautou para o dia 6 de novembro deste ano a continuação de um julgamento já iniciado pelo STF: um recurso que pede a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio. Três ministros já votaram a favor da descriminalização: Gilmar Mendes (relator do caso), Luís Roberto Barroso e Edson Fachin.
Se o recurso for aceito pelo Supremo, as pessoas que forem presas com drogas ilegais só serão condenadas caso o juiz entenda que se trata de tráfico. O recurso chegou ao STF em 2011 e foi ajuizado originalmente por um homem que foi condenado por portar três gramas de maconha para consumo próprio.
“O que o recurso pede é que seja declarado inconstitucional o artigo 28 da Lei de Drogas (de 2006), que diz que é crime portar drogas ilegais para consumo”, explica o cientista político Gabriel Santos Elias, coordenador da Plataforma Brasileira de Política de Drogas.
Elias destaca ainda que, neste caso, a posição atual da PGR já é contra a descriminalização do porte de drogas.
“A PGR, desde o começo do julgamento, em 2015, já se posiciona contra a descriminalização, ainda na gestão do (ex-PGR) Rodrigo Janot. Depois, a mesma tese foi mantida pela Raquel Dodge”, diz.
“O discurso de Janot, à época, foi fraco do ponto de vista técnico e altamente ideológico. O argumento era de que o consumo de drogas alimenta o tráfico e que, portanto, a descriminalização aumentaria a violência”, critica Elias.
Em julho deste ano, Dias Toffoli decidiu de forma liminar (provisória) suspender todos os processos criminais que usam dados bancários e fiscais detalhados produzidos por órgãos como o antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), a Receita Federal e o Banco Central, sem autorização da Justiça.
A decisão atendeu a um pedido da defesa de Flávio Bolsonaro – que alega que ele teve seu sigilo bancário quebrado indevidamente pelo Coaf nas investigações da operação Furna da Onça, que investiga um suposto esquema de corrupção na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
Na ocasião, o Coaf identificou movimentações suspeitas de ex-servidores do gabinete dele, à época. As movimentações somam em torno de R$ 7 milhões e seriam geridas por um ex-motorista de Flávio, Fabrício Queiroz.
Agora, os 11 ministros do STF deverão decidir se mantém ou não o entendimento de Toffoli. O julgamento do caso está marcado para o dia 21 de novembro.
Nas conversas recentes com senadores, Augusto Aras defendeu a Lava Jato, segundo apurou a BBC News Brasil. Mas ponderou que a operação – para a qual o uso de dados do Coaf e da Receita foi fundamental – também cometeu excessos.
Prisão após a segunda instância
O STF também poderá voltar a discutir em breve um tema que interessa ao principal adversário de Bolsonaro, o ex-presidente Lula (PT).
Trata-se do julgamento de processos sobre a possibilidade de uma pessoa condenada começar a cumprir a pena logo depois de ser condenada pela 2ª Instância da Justiça, sem necessidade de esperar os recursos possíveis em todas as instâncias.
Embora o tema não esteja na pauta divulgada por Dias Toffoli para este semestre, ele já admitiu que o caso pode voltar a ser julgado no segundo semestre deste ano. O relator dos processos é o ministro Marco Aurélio Mello – e ele deseja que o assunto seja pautado ainda no segundo semestre.
Neste caso, o plenário do STF precisará decidir se mantém ou não o entendimento que a própria corte adotou em fevereiro de 2016 e que vale atualmente – isto é, o de que o condenado pode ser preso antes do chamado “trânsito em julgado”, quando todos os recursos são esgotados.
No começo de setembro, a Segunda Turma do STF contrariou o entendimento atual do tribunal e permitiu que um réu já condenado em 2ª Instância pudesse recorrer em liberdade.
A depender da decisão do plenário do STF, ela pode ter reflexos na situação do ex-presidente Lula. O petista foi preso em 7 de abril de 2018, depois que sua condenação no caso do “Tríplex do Guarujá” foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o TRF-4, de Porto Alegre (RS).
Fonte BBC Brasil.