Antes mesmo da votação na Câmara na quarta, 14, o Ministério da Justiça e Segurança Pública emitiu parecer contrário à aprovação do projeto de Lei de Abuso, analisando 11 artigos do PL 7.596/2017. A pasta de Sérgio Moro se manifestou pela rejeição de alguns itens e sugeriu aos parlamentares novas redações para outros.
O documento alerta que diversos pontos do texto “podem, mesmo sem intenção, inviabilizar tanto a atividade jurisdicional do Ministério Público e da polícia, quanto as investigações que lhe precedem”.
O parecer tem como base o texto original do projeto, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede/AP).
O texto aprovado pela Casa Legislativa, no entanto, sofreu alterações do relator, deputado Ricardo Barros (PP/PR), que assina a redação final do texto submetido à sanção do presidente Jair Bolsonaro.
Na manhã desta segunda-feira, 19, Bolsonaro recebeu Moro no Palácio do Planalto. O ministro sugeriu ao presidente veto de nove artigos do texto que a Câmara aprovou.
O parecer levado aos deputados antes da votação foi preparado pela Assessoria Especial de Assuntos Federativos e Parlamentares do Ministério da Justiça. A Assessoria acompanha a tramitação legislativa dos projetos de interesse da Pasta.
A manifestação contrária ao PL foi aprovada pela coordenadora-geral de Atos Normativos em Matéria Penal, Fernanda Regina Vilares, e pelo Assessor Especial de Assuntos Legislavos, Vladimir Passos de Freitas
O documento foi assinado eletronicamente às 13h39 da quarta, 14, antes de a sessão legislativa ter início, às 18h55.
Rejeição e supressão
O artigo 9º do texto original do PL – decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais – é um dos primeiros que foi analisado no parecer no Ministério.
A Assessoria Especial argumenta que o texto eliminaria “a discricionariedade do magistrado na exegese normativa”, ou seja, a margem de decisão do juiz na interpretação da norma.
O documento ressalta que o texto não traz “balizas” para o que se pode considerar “desconformidade com as hipóteses legais”, o que acentuaria a limitação ao exercício da função jurisdicional, segundo a Pasta.
O Ministério se posiciona pela rejeição do artigo 16 do projeto, que trata da necessidade de identificação, por parte da autoridade para o preso, no momento da captura ou durante a detenção.
O parecer indica que a obrigatoriedade de identificação nominal do policial pode colocar em risco a segurança do agente e da sua família, e assinala que o registro do agente sempre estará disponível para a direção da instituição e então, em caso de ato ilícito, seria viabilizado para responsabilizar o agente.
Um dos pontos mais debatidos do projeto, o artigo 17, que trata do uso de algemas, também é analisado pelo Ministério, que indica que o texto ignora as nuances dos diferentes casos em que o policial avalia a necessidade do equipamento.
O relatório argumenta que, desta maneira, o dispositivo “coloca em risco a capacidade de levar a cabo o aprisionamento, a integridade física do policial e, a segurança pública”.
Com relação ao artigo 22, que trata da atuação de autoridades, sem determinação judicial ou demais hipóteses previstas em lei, o Ministério da Justiça pede a supressão apenas do inciso II, que trata da “mobilização de veículos, pessoal ou armamento de forma ostensiva e desproporcional para expor o investigado a situação de vexame”.
Segundo a Assessoria Especial, o inciso tem conceitos “indeterminados e subjetivos” e sua manutenção prejudicaria o próprio tipo penal.
O parecer pede a supressão do artigo 26 – “induzir ou instigar pessoa a praticar infração penal com o fim de capturá-la em flagrante delito, fora das hipóteses previstas em lei”.
Segundo a Pasta, a criminalização proposta “pode afetar negativamente a atividade investigativa, em razão de a autoridade investigada atuar, muitas vezes, em uma zona cinzenta na distinção entre flagrante preparado e flagrante esperado”.
Violação de prerrogativa de advogado
O Ministério indica ainda que o artigo 43 da Lei de Abuso deveria ser excluído.
O dispositivo insere um novo artigo na Lei 8.906, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil.
O texto configura como crime violar alguns direitos e prerrogativas dos advogados previstos em tal norma, sob pena de detenção de três meses a um ano, e multa.
Para a Assessoria Especial do Ministério de Justiça, o dispositivo geraria “um fortalecimento extremo do Ministério Público e um enfraquecimento do juiz, que perderia a sua imparcialidade”.
Tipos que já estão no Código Penal
A Assessoria Especial registra que algumas das previsões da Lei do Abuso já existem no Código Penal Brasileiro. Entre elas estaria o artigo 3, que versa sobre o oferecimento de denúncias. O documento indica que o dispositivo “apenas repete o que é norma geral no artigo 29 do Código de Processo Penal”.
O Ministério ressalta o artigo 30 – “dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrava sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente” – que, segundo a Pasta, já é abarcado pelo crime de denunciação caluniosa.
O artigo 34, que tipifica a conduta de “deixar de corrigir erro relevante que sabe existir em processo ou procedimento” também é avaliado.
O parecer argumenta que o crime de prevaricação, previsto no artigo 319 do Código Penal, já abarcaria as hipóteses mais graves de omissão na prática de atos de ofício pelo servidor público.
A pasta alega que o artigo cria uma responsabilidade “extremamente ampla” ao agente público que seria “impossível” cumpri-la na prática. O parecer destaca ainda: “o conceito de “erro relevante”, extremamente amplo, pode abarcar situações diversas, a depender do referencial”.
Novas redações
O parecer do Ministério da Justiça indica novas redações para dois artigos do texto original do Projeto de Lei de Abuso, o 13º artigo e o 20º.
O primeiro tipifica como crime, passível de punição com 1 ano a 4 de detenção, “constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a: exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública; submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei; produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro”.
Na avaliação da Assessoria Especial, há forte carga subjetiva na redação do item, como na expressão “redução de sua capacidade de resistência”, o que poderia prejudicar o exercício da atividade policial.
O parecer indica que o inciso III é impreciso e então sugere que o termo “ilegalmente” seja incluído no texto: “constranger ilegalmente o preso ou o detento […]”.
Já o artigo 20º, que dispõe sobre o impedimento, sem justa causa a entrevista pessoal e reservada do preso com advogado, a Pasta caracteriza como “louvável iniciativa”, mas diz que é importante restringir o alcance penal para “evitar a investigação de intervenções em casos nos quais o advogado integra a organização criminosa”.
O documento sugeriu que o artigo seja redigido da seguinte maneira: “Impedir, sem justa causa, autorização legal ou judicial, a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado.” Fonte, exame.com.