A distribuição racial dos candidatos a cargos eletivos deste ano não
espelha a realidade da população brasileira como um todo. Enquanto há
uma sub-representação de autodeclarados negros (pretos e pardos) entre
os candidatos, a proporção de postulantes brancos é maior que a sua
concentração geral. O quadro reflete uma distorção da representatividade
racial da população na política, segundo especialistas e ativistas
ouvidos pelo Estado.
Dos 28.562 candidatos que pediram ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral)
registro para disputar cargos eletivos (presidente, governador, senador e
deputados federais e estaduais) nas eleições este ano, 46,4% se
autodeclararam negros – 35,5% deles pardos e 10,8% pretos, conforme
dados do tribunal. Os candidatos brancos que pediram registros à Justiça
Eleitoral representam 52,6%, enquanto os amarelos são 0,6% e os
indígenas, 0,46%.
Para a presidente do Conselho Nacional de Ouvidores das Defensorias
Públicas, a socióloga Vilma Reis, a “sub-representação racial na
política”, como ela se refere às estatísticas, se deve à ausência de
regras que definam a participação dos negros nas eleições, como ocorre
no caso das candidaturas femininas, que conquistaram a reserva de 30%
das vagas e dos recursos dos fundos para financiamento de campanhas.
“A gente construiu uma resposta para a questão de gênero na política,
mas não construiu formas de garantir a justiça racial”, diz Vilma. A
socióloga avalia que a dificuldade de acesso dos negros aos recursos
eleitorais – antes oriundos de doações de empresas privadas, mas a
partir das eleições de 2016 vindos do Fundo Partidário – impede a maior
representação dessa parcela da população na política.
“Sem esse regramento político da partilha dos recursos, a gente vai
precisar de mais 189 anos para ser possível alguma paridade”, afirma
Vilma, criticando as estruturas partidárias pela situação. “Esses negros
até são candidatos, mas sempre enxergam suas esperanças desmoronarem na
hora da divisão dos recursos, o que nos faz ter um Congresso sem
nenhuma ligação com a sociedade.”
Entre os eleitos, a representatividade dos negros é ainda menor.
Segundo dados divulgados pelo TSE após as eleições de 2014, apenas 20%
dos deputados federais (103 dos 513) e 18,5% dos senadores (5 dos 81)
eleitos naquele ano se autodeclaram negros. O número não pode ser
comparado com estatísticas de eleições anteriores porque a
autodeclaração de cor/raça só foi implantada no sistema da Justiça
Eleitoral em 2014.
Desigualdades
Professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia), o cientista político
Joviniano Neto diz que a baixa representação de negros na política tem
relação com as desigualdades sociorraciais do próprio País. Joviniano
acredita, contudo, que essa situação ficou mais difícil de ser alterada
diante das novas regras eleitorais, que concentraram os recursos de
campanha nas mãos das direções partidárias, priorizando os candidatos
que já possuem mandatos eletivos – majoritariamente brancos.
“Só consegue poder quem tem poder anterior. Então você até vai ver
negros chegando ao poder, mas muito por causa da sua história anterior,
por serem oriundos de sindicatos, associações, movimentos sociais ou de
alguma estrutura parecida”, afirma o cientista político.
Coordenador-geral do CEN (Coletivo de Entidades Negras), entidade
presente em 23 Estados e no Distrito Federal, o historiador Marcos
Rezende avalia que a influência do poder econômico sobre os rumos da
política é um dos principais fatores para a sub-representação dos negros
em cargos eletivos.
Rezende pondera que, embora haja parlamentares que se autodeclaram
pretos e pardos, o número de políticos que atuam de fato em defesa da
comunidade negra é baixo. “Para nós, não é uma discussão sobre a cútis,
sobre a epiderme, mas sim uma discussão sobre o compromisso que esses
candidatos e futuros ocupantes de cargos eletivos precisam ter com a
pauta racial, com o combate às desigualdades e ao ódio de raça.”